quarta-feira, 15 de junho de 2011

Fases



Era uma segunda-feira quando ela se deu conta. O final de semana tinha passado, e outros 5 dias atarefados viriam até o próximo descanso (e ela poderia chamar aquilo de descanso mesmo?). As preocupações na sua vida agora eram outras.
Aos poucos ela havia deixado algumas coisas para trás. O constante ócio e o cochilo da tarde foram substituídos por dias corridos e noites pouco (porém nem sempre mal) dormidas. O sono constante ela aprendeu a dominar com café - aquele líquido preto de gosto amargo do qual nunca gostou, mas que agora descia por sua garganta com gosto de...necessidade.
Ela agora saía de casa cedo e demorava para chegar. O sofá, que costumava ser o companheiro íntimo daquelas tardes na frente da TV, havia se tornado um desconhecido. Ver filmes, então, se tornou difícil - o tempo era pouco, e mesmo quando conseguia parar para assistir algo os primeiros frames facilmente a embalavam em um sono quase profundo. Ainda assim, ela comprava DVD's - agora ela podia comprá-los! - pelo simples prazer de tê-los em sua prateleira. Aprendeu os nomes dos diretores, adquiriu os clássicos e se sentia bem por saber quem era Greta Garbo e Clark Gable.
Aos poucos sua playlist também foi mudando. No lugar de canções com melodias simples e letras todas iguais, ela escutava sons mais elaborados, com acordes complexos e letras com relevância. Até trocou as cordas de nylon do seu violão pelas de aço, e a dor que aquilo causava em seus dedos ela sentia por prazer. Mas se tinha uma coisa de que ela não gostava era de Chico Buarque. E era apedrejada sempre que dizia isso. "Afinal, o que que tem aquele cara?" Se gostar de Chico, para alguns, era ser culto, então ela não era culta. Menos ainda por também não gostar do Tom, do Vinícius, do Caetano. O negócio dela era mesmo o tal do Paul Hewson.
Seus livros de romance foram acumulando na prateleira. Não havia tempo para lê-los! "Quem sabe no final de semana", ela dizia, mas nunca dava. Ainda assim, eles continuavam sendo sua oportunidade de escapar, de levar a mente para outro lugar... ela continuava a mesma sonhadora de sempre. Ainda queria viajar, escrever suas músicas e, um dia, o seu próprio livro. Ainda queria fazer o que gostava, trabalhar duro e viver seu feliz para sempre.
Afinal, ela não havia mudado. Havia apenas crescido.

2 comentários:

  1. Crescer dói,vezenquando, rasga, desistimula. As vezes tanto passado pesa. As vezes ter-que sempre cansa. Mas há um proposito, sabe? Sempre há. Para ser melhor é preciso mudar, crescer, mas antes de tudo conhecer. É preciso ir ao Alabama e no bar de dona Cleide. É preciso comprar DVDs sem ver, é preciso ler James Joyce. É preciso carregar o mundo com mãos firmes, para, depois de tanto esforço, vê que com simples toques, as coisas flutuam. E por mais que doa e dói e que o sangue escorra deliberadamente em litros, gotas, livros e som. Por mais que o sono pese sobre os olhos, as almas e tudo mude de tom. Ha sempre um propósito, sim, há sempre, no final, um sorriso por ter conseguido, antes de tudo, SER.

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  2. Que texto lindo, Sthef! Me indentifiquei pacas. E não gosto de crescer.
    xx

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