quarta-feira, 21 de setembro de 2011

queda livre

Primeiro ele apareceu. Não que nunca tivesse aparecido, mas dessa vez foi diferente. Tava mais presente, talvez meus olhos finalmente tivessem notado aquela luz. Talvez ele tenha decidido se mostrar, mas o fato é que de regata e óculos, e com luz avermelhada ele apareceu.
Nunca havia notado aquele sutaque, aquele jeito, aquele corpo. E com o tal acontecimento repentino, ainda cambalei para sentir o todo. Nunca havia me pertubardo com aquele andar, de quem não espera nada, que tudo é surpresa e que nada tem controle. Ele era o deboche, zombava de tudo com frases poéticas de butequim.

Cenas passadas em slides rápidos. Cerveja noite táxi provas shows sonhos susurros gritos estrelas carros postes sorriso conversas livros abreu lispector kant hegel bergman persona quintana pessoa animal uísque afetamina xadrez listrado ruídos ônibus caminhos perguntas sentidos estopim:


foto: Requiem for a dream/divulgação
 câmera lenta,
silêncio abafado,
mergulho: cabeças deitam lentamente sobre o concreto.


Primeiro ele apareceu. Como não quer nada, sorrateiro. Invadiu meus olhos, minha cabeça, meus lugares. Invadiu meus amigos, minhas festas, meus segredos. Não satisfeito, invadiu até minha casa, meu repouso e minhas entrelinhas.
Como uma cobra, o som do chucalho incomodava, seduzia, mas não deixava claro a que distância ele estava, que horas ia atacar ou se ia atacar. Como uma cobra, que carrega o veneno e antídoto em si, não mais que duas vezes é necessário para tudo que se construiu, se destrua. Com os olhos de ciganos que não me enganam mais, foi assim,

que pela primeira vez ele apareceu.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Primeira.





Perdi a mão e perdi a voz.
Desde que não dei tempo, desde que não esperei você decidir o que queria, perdi meu caminho.
Estive com outra, que me mascarou a felicidade, mas não passou de boa amizade...

Senti.
Sinto.
Sentirei tua falta.
Perdi a mão por não ter cara pra te falar.
E sinto a culpa de ter que confirmar depois de tanto tempo.

É a primeira vez em tantos anos.
É a primeira vez que tenho a velha coragem de volta.
É finalmente a hora de dizer.

Confessar que ainda te quero.

Ainda desejo dividir meu tempo contigo, e o teu comigo, se assim desejar. Isso irei aceitar.
Não menti ao dizer, que amaria amar você.
Nem quando lhe prometi aquela auto-estrada limpa, sem desvios, empecilhos, para que juntos pudéssemos criar e moldar cada canto do asfalto juntos.

Mas o que sobrou foi apenas vergonha por tudo o que passei.

Minha casa é toda sua se desejar. Suas chaves estarão prontas para quando quiser vir e ficar.
Te ofereço esse lugar ao meu lado, não a toa, não sem motivo.
Aquele Pôr-do-Sol em Olinda está a nos esperar.
O jantar cozinhado por mim, ainda espera você.
As danças na Sala de Reboco ainda esperam teus pés.
Quantas massagens quiser, na hora que quiser, todas serão suas...

Quero que você seja a primeira, dentre tantas primeiras vezes...

E eu quero estar.
Estar ao teu lado.
Cuidar e me preocupar contigo.
Isso basta para quem esteve tão perto de alguém como você.

Só precisa ser você ali.

E se isto lhe bastar, quando voltar, teu beijo, teus lábios.
É o que irá me dizer.
É o que me confirmará.
Que também comigo quer estar...

Estarei esperando esta decisão vinda de teus lábios.

Estarei lá quando você voltar.

Não importa a hora morena.

Eu vou estar lá.


(foto de acervo pessoal)

terça-feira, 13 de setembro de 2011

À procura

Convenhamos: escrever um texto pessoal pode ser muito simples. Dor e angústia todo mundo tem, traduzir isso em palavras muitos conseguem. Já dizia um professor meu: todo adolescente com um coração partido escreve poema. Já dizia Drummond: Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro / são indiferentes. A posição é até válida, mas não acho que deva ser levada tão à última palavra.
O problema é que amor, dor, todos os nossos sentimentos têm seus dois lados. São de todos porque todos sentem, mas são de cada um porque são maneiras diferentes de se sentir. É fácil escrever sobre o que te aflige. A família que não te entende, os amigos que você não tem, o amor que acabou, a vida que não era o que você esperava. Tudo isso pode ser o teu caso. Difícil é você expor esse sentimento de modo a fazer com que o outro também sinta. Difícil é sua angústia, aquela que te aperta o coração, toque o que quer que corresponda a ela no fundo da alma de mais um angustiado. Caso contrário, pode ficar tudo muito bonito para você, mas fechado aos demais. O desafio de escrever não é executar o ato de pôr em palavras. É escolher aquelas que tornem o teu particular em universal. Que todos os que sintam uma aflição existencial leiam e pensem "caramba, é isso".
Taí. Minha primeira tentativa de um texto não pessoal-poético. Uma tentativa de hipertematizar esse meu espaço. Espero ter conseguido.

domingo, 11 de setembro de 2011

11 de setembro de 2001, eu lembro

11 de setembro de 2001.

Eu, com a inocência e compreensível ignorância de uma criança de nove anos, pela primeira vez – até onde minha memória alcança – assisti a um acontecimento historicamente relevante.

Durante minhas nove primaveras já tinha acontecido o impeachment de Collor, já tinha morrido Ayrton Senna, já tinham fundado o que futuramente seria o maior site de pesquisa da web, o avião de Mamonas já tinha caído, já tinham usado por aqui o cruzeiro, cruzeiro real...

Não me lembro de nada disso. Só me lembro de eu sentada no braço do sofá da casa da minha avó, televisão nova, 29 polegadas, ocupando todo meu campo de visão. Manhã de terça-feira. Voltava do curso de inglês. “Mas cadê os desenhos da manhã? O que é esse prédio pegando fogo? Vó, vem ver!” Bum! Outro?? O que é isso? Filme? Não! Dois aviões batem em dois prédios de mais de 100 andares nos Estados Unidos.

Mas eu nem sabia que existiam prédios de mais de 100 andares. Na hora, pensei: quanta coincidência! Dois aviões, dois prédios... Pela primeira vez assisti a aviões baterem em dois prédiosdemaisde100andares...

... mesmo sem fazer a mínima ideia do que danado tava acontecendo.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Pálido Amor

não queria deixar-se soltar
queria soltar e ir na coisa

e são, porque se são não o fosse, ação não seria

se soltasse seria sua primeira e última
só seria uma sendo a outra
só existiria sendo as duas

a ação de não agir
o soltar sem soltar-se

o soar que é são enquanto são se prova
por provar-se

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Confissão em primeiro grau

- Eu gosto de você, não é por nada.
- Eu sei, eu também.
- O que é que você quer de mim?
- Gosto de você e
- Você já disse isso. Mas o que é que você quer?
- Nós somos amigos. Não é?
- Somos.

Foi a primeira vez que eu estrangulei o sentimento que gritava alto no meu peito. Foi a primeira vez que senti aquela dor. E foi também a primeira vez que eu jurei não me envergonhar de amar. Então, lá vai: Não somos amigos. Eu te amo.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

32 dentes

Um infindável copo de cachaça e um suado sovaco exposto. 32 dentes era a idade que tinha quando, enfim, resumiu-se a essas qualidades.

Que sabia do mundo, ou melhor, que mundo saberia dele enquanto só o conhecia através do vidro do copo? Que mal fazia por criar sua própria água benta? Pobre diabo, ardia a cada gole mesmo em sua (improvisada) água sagrada.

Em seu aniversário de trinta e dois dentes, tanto quis se limpar de seu cheiro de sexo venéreo que, ao banhar-se em sua água divina, resolveu a terra fisgá-lo num rápido ato de real compreensão e envolvimento e arrancar-lhe mais alguns dentes.

Era a primeira vez que perdia a idade.

Costumava atrelar a vida a um processo evolutivo e, por esse motivo, este dia de sua queda tornou-se sua efeméride particular: a cada ano que passaria, ele voltaria a recordar saudosamente daquele dente que se passou e da desevolução que viria. Sem 32, quão impotente seria! Perdeu o dom de cortar e triturar bicho; perdeu o som, o discurso e o pio. E, a partir de agora, não perderia mais nada.

Trocou o vidro pelo plástico para não deixar de ter o que mais amava: chafurdado no fundo do seu copo, era agora translúcido aos olhos mundanos. “Era um plástico que os separava?”, pensou e logo se permitia acreditar que era esta a razão por que agora havia um discurso contra o plástico.

Só em filme norte-americano um plástico dançando tresloucado na rua faria sentido. Nem seu antigo pessimismo era agora real – só uma apatia grunhindo sem dente no meio de tanto desodorante vencido e gente de cheiro sintético. Sua cirrose não mais o fazia gemer; talvez, dentro de seu infindável copo, a vida nem tenha lhe sido finita.

Tanto faz, tanto fez. Nem ele mesmo liga desde a primeira vez que perdeu o sorriso e a idade.

domingo, 4 de setembro de 2011

No cinema, em 1998

Dr. Dolittle foi o primeiro filme que vi no cinema. Pelo menos foi esse o primeiro filme de que lembro ter visto no cinema. Não sei se tive aos meus olhos O Rei Leão ou Branca de Neve através das luzes do telão. Lembro de Dr. Dolittle. 1998. Fui ao cinema, pela primeira vez, com 7 anos? Não lembro. Por não lembrar, registro 1998 como o ano em que fui ao cinema por vez primeira. Na época, não existia complexos-multiplex situados nas regiões internas do Shopping Recife. Era aquele anexo onde hoje funciona (ou funcionava) a boate Fashion.

Experiência única. Por ter, na época, pais extremamente ocupados, quem me levou para o paradisíaco universo da sala com cheiro de pipoca e de refrigerante aberto foi minha tia. Primos arrumados no carro. Seria uma grande experiência a que aconteceria naquela tarde. Todos em direção ao Shopping Recife. O que a gente ia fazer lá mesmo? Eu me perguntava. Ver Dr. Dolittle no cinema. Doutor Doliral - eu escutava assim. Não sabia sobre o que era o filme e quem (ou o que) era Doutor Doliral. Só sentia, na verdade, um clima de festa no ar. Tava valendo a experiência, fosse qual fosse.

Lá, tudo escuro. Um monte de biscoito e guloseimas levadas na sacola de tia. A máfia da farofa no cinema, quem nunca fez? Comidas, comidas... Começa o filme. Alguns bichos surgiam do nada. Uma trama incompreensível. Todos riam e, sei lá, não estou entendendo essa história. Os homens, os animais e os objetos eram, para mim, extremamente grandes. Como se hoje, aos 20, eu estivesse sentada em uma cadeira situada a trinta centímetros da tela.

As luzes, a textura da cadeira, o cheiro da comida e o barulho das embalagens a serem abertas e amassadas, o montão de gente concentrado na tela retangular eram as coisas que, sim, conseguiam chamar a minha atenção. Duas longas horas de um blábláblá desinteressante. Depois de quarenta minutos investigando a atmosfera do lugar, me aquietei, entediada. Não via a hora de acabar aquele filme chato.

Na primeira vez que fui ao cinema, o filme foi algo secundário. Essa situação até que se repetiria algumas vezes depois, mas por motivos diferentes. Nesse ano de 1998, o cinema foi um calo no meu pé. Só anos depois, consegui me apaixonar pelo coitado. As imagens que eu sentia demasiadamente grandes hoje não mais me invadem. As história complicadas não mais me angustiam. Hoje, eu mergulho nas imagens e as histórias se contorcem para me entender.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Fatalidade.

            Eu ia andando rumo à parada de ônibus, como de costume. Já não há quase nada nesse itinerário que me seja plenamente visível: o costume vai cegando os olhos. Sou cega, por exemplo, para o lixo acumulado na rua, para o canal onde despejam esgoto – para isso que chamam indiscriminadamente de “a realidade”. Não que tudo me pareça bom, é só que a gente aprende a lidar com o que tem...
            Já na parada, um rapaz, pouco mais velho que eu, vinha acompanhando um senhor de muletas. O aspecto de ambos era de simplicidade, traziam malas pequenas nos braços. Escutei que estavam esperando o Curado, para ir para a rodoviária: voltavam para o interior. Após alguns minutos de espera, parou um CDU/Boa Viagem. Os dois apressaram-se a subir.
Fiquei olhando, um pouco desconsolada, enquanto uma outra mulher os detinha. Nada havia de absolutamente incomum naquela cena: apenas duas pessoas pobres tentando, às cegas, pegar o ônibus. Mas era como se, pela primeira vez, eu me desse conta de algo muito grande, muito sério. É claro que uma pessoa nasce sabendo que existem crianças passando fome, existem mulheres convivendo com violência doméstica, existe pobreza, existe exclusão, existe analfabetismo – mas, meu deus, “crianças passando fome” é quase uma abstração. É algo que se lê em estudos socioeconômicos, um dado, uma porcentagem. O que conhecia eu de miséria, de pobreza, de analfabetismo?
Aquilo foi tomando conta de mim: de início era uma melancolia, uma vontade de chorar, de repente era vergonha, era culpa. E que direitos eu tinha de me apiedar? Era como se me tivessem despido e me apedrejassem em praça pública: cada pedra uma conscientização tardia... E também aquilo de nada adiantava. Chorar, sentir culpa, apiedar-se? Só mais uma maneira de se consolar, para esquecer mais rapidamente.
Meu ônibus chegou. Da janela, encarei por alguns instantes aquele rapaz, não muito mais velho que eu. O mundo pode ser visto como artes de um dado quase esférico jogado ao acaso: podia ser comigo. Quer dizer, podia ser com qualquer um – daí se chamar tudo de fatalidade... Fiquei me perguntando que consciência ele, o rapaz, tinha daquilo. Meu avô me dizia que, quando menino pobre no interior, pensava que a morte devia ser muito ruim, porque já não daria mais pra comer feijão com farinha – eu achava aquilo hilário. “Feijão com farinha, voinho? E o senhor gostava?”
Enquanto o ônibus partia, curiosamente, não me ocorreu que é provável que eu nunca torne a ver aquele rapaz.

sábado, 27 de agosto de 2011

Cuidados humanos e agregação de valor

O pai, humanamente preocupado com a saúde do filho e em estimular bons hábitos e certa disciplina (como as normas que aprendera na infância), promete dar ao filho um real toda noite, desde que ele tome um copo cheio de leite, antes só de escovar os dentes e ir dormir. 
Coexistente em relação à preocupação do pai, estão todos os aspectos da vida cotidiana, os valores ditos pelos outros, os que este absorveu, os que ele passa a seu filho e os que o filho absorve, em sua percepção particular de como são as coisas.
Tão grande quanto a complexidade desse ciclo de vai-e-vem foi a surpresa do pai, algumas semanas depois, ao notar que o filho vomitava propositalmente todo leite que tomava.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Um momento de revolta, por favor.



Certas coisas nunca mudam...
Por condicionamento, por falta de coragem, nunca mudam.
A gente precisa de doses homeopáticas de ilusão pra sobreviver na realidade, que na verdade é uma merda, mas custa admitir. É difícil reconhecer que as gias não são sagradas, nem os carros, nem eles... E essa sede? E toda essa sede? Enrolo no peito, amasso, guardo como se não fosse nada, como se não existisse. Mas existe, tá aqui, tá em todo lugar, a sede de todo mundo custa admitir. Deveria haver outdoors e propagandas, programas televisivos e debates acadêmicos pra falar sobre a sede de todo mundo! A gente vai ao bar, toma umas cervejas, fala mal de alguém, paquera fingindo que não dá em cima, a gente fala sobre tudo e de repente parece que o mundo não é tão ruim assim, a gente se abraça e se reconhece pra no outro dia passar reto. Tudo isso me entedia, entende? La Bohemie. A gente tem o costume de passar reto por tudo, pisando nas coisas. Passa reto na fala do outro, passa reto no dia, passa reto que nem sente. A gente se droga loucamente, e como somos drogados de infinitas porcarias! A gente toma o próprio veneno, respira oxigênio que é vida e morte. Desgraçados.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Que assim seja

Eu estava tão concentrada naquela agenda em meu colo. Aquelas datas, e grifos, e horários, e eventos... Eu estava tão distraída, antecipadamente tão ocupada, que quase não percebi. Mas deixo meu obrigada ao quase. Porque quando dei por mim, de quase em quase, eu os vi. E lá estavam eles, aqueles dois. Estavam sentados, escorados na parede. Ele com o braço em torno dela, ela com os braços apertando a cintura dele como se pudesse impedí-lo de a qualquer momento sumir. E nesses braços, abraços, envolvimentos, apertos e impedimentos foi que eu entendi: mas olha só, isso é amor. Virou amor. E me surpreendi pensando que um dia os conheci separados, sem nenhum vínculo, sem as mãos e beijos e afagos. Eu os conheci cada um a seu tempo, cada qual com sua turma, com sua tribo, com sua vida. E agora, um dia desses, ela me disse: não sei mais como seria viver sem ele. E na fração de segundo enquanto eles encostavam os lábios, eu pensava nisso tudo. Nesse destino todo. Em como eles - na hora certa - se encontraram, se perderam, se procuraram para reencontrar, e em seguida nunca mais se soltaram. Mas que coisa mágica, pensei. Esse amor, essa vida, essas forças que a gente vai chamando de sorte por não ter nome melhor. Que mágico e que lindo. Dei conta de que eu estava ali sentada com minha agenda tentando organizar as horas, e perdendo tempo. Aqueles dois sim, eles eram espertos. Cada segundo era aproveitado entre um sorriso demente e um beijo derretido. Então catei depressa o celular na bolsa para ouvir alguma voz familiar de amor. Disquei. A voz que eu esperava atendeu. "Vem logo pra cá", pedi. E rapidamente inventei uma prece: que todas as pessoas que amam alguém, e que são amadas de volta, não sejam impedidas de serem felizes. Nem pelo tempo, nem pela sorte, nem pelo próprio amor. Amém.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Conselho

Tá tudo aí, não vê? Pergunta aí qual o programa que tem mais audiência na TV! Os que sangram, os que ardem. Vai mostrando no colorido da televisão: assassinato, chacina, tudo que se ensina. E que também se aprende só. Na marra, na prática, nessa sociedade. Chega é de dá dó. Tia, tem um trocado? Se não tiver eu te mato. O povo diz que tá na história, os assírios e os persas. Mas hoje em dia, quem cai numa conversa dessa? Quero saber de história não, Tia, quero saber de dinheiro, só isso que deixa meu bucho cheio. O homem para avançar tem que destruir tudo ao seu redor, é assim que a banda toca, foi assim que eu vi. Não viu? O moço na TV: vejam com exclusividade o mais novo morto da cidade!
É dinheiro e sangue. E com isso que vou formando minha gangue. Nada de manequeísmo, aqui num tem bem e mal não. Cinismo é o mais adequado, aqui é tudo do mesmo lado: cada um querendo o seu. E a gente vai vivendo como quer Deus.

Amanhã eu não vou pra escola, eu vou roubar, posso até cheirar cola, mas o mais importante é não cambalear. Olha lá, Joãozinho caído. Mais um menino perdido. No peito dele, ó que bonito, tá
nascendo um flor vermelha, cheia de brilho. Policial, policial, me ajude, acabaram de roubar minha carroça! Não posso sair do meu posto, você que se vire nessa joça! Liga pro 911 e se resolve com qualquer um. Mas policial, o senhor tem que me ajudar, isso eu vi no Jornal Nacional. Tia, eu não queria gostar tanto de dinheiro, só traz ferida! Mas quem é que vai acar com as dívidas? É luz, é água, é o homem na padaria. Mas mãe diz: desculpa filho, desculpa por só ter água e farinha. Liga não mãe, a Tia aqui vai me ajudar! Se não ajudar eu sequestro, ninguém vai me segurar!

Chamam de sensacionalismo! Não acredito nessa asneira, afinal de contas isso não é a alegria da nação brasileira? Mãe, hoje eu sou pobre, mas amanhã vou tá no jornal. Tenha certeza: vou ser herói nacional! Eu queria jogar futebol, gritar gooool, em dia de sol. Mas não, tenho muito o que fazer. Tá vendo aquele cara ali? Vai ser meu próximo assalto. E de salto em salto eu chego lá.

E ainda teve o plebiscito, ficar armado, sim ou não? É sempre melhor prevenir, nesse país de cão. Mas cuidado, pra num descuido qualquer atirar no próprio pé.
 Com licença, eu tenho que ir. Tenho muito mais o que fazer. Ajudar a mãe a lavar roupa, os pratos e sequestrar criança. E nem me venha falar de esperança. Eu não acredito mais. Não existe paz! É melhor se preparar, compre um arma, e um colete também.

Por que a guerra já está para começar.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Os Corpos do Dia das Bruxas

The Dead Walking...? 14/08/2011


De prosa em prosa,
passo após passo,
decidi fazer nada.
Mas foi bom esconder as escadas.


Ouvindo aqueles gemidos roucos,
prestando atenção nos gritos silenciosos,
sentindo cheiro de algo podre,
pela janela eu via os corpos...


As luzes são seu chamariz,
seus olhos cegos parecem sentir,
sua audição continua atenta,
e as pernas mal se aguentam...


Perdi um, dois ou três amigos,
perdi cinco, seis ou sete familiares,
mas não houve dor maior,
quando vi você caminhar entre eles...


Sem rumo, nem prumo,
sem vontade ou desejo,
apenas divagando, caminhando,
e do outro lado da janela estava eu, me martirizando...


Carregando meu poderoso rifle,
queria lhe dar libertação,
apontando para sua cabeça,
e recitava uma oração.


Nunca Nele acreditei,
e com certeza essa não era a hora,
pois Ele amaldiçoou o mundo,
e nos deixou do lado de fora.


Mas eu pedia por sua paz,
relembrava seu amor,
revia seu corpo quente,
entregue a mim com ardor.


Ali terminava nossa relação,
nossos anos de convivência e adoração,
então esse era o nosso fim,
entre o você e eu, pensei em mim.


BAM!



(Allan Wagner, 17:53 - 18:12, 31/10/2010)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011