quarta-feira, 29 de junho de 2011

Reinventar

“Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois 
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura”
(fragmento da "Evocação do Recife", Manuel Bandeira)


Sem história nem literatura. É esse o Recife onde caminho na chuva, amaldiçoando os bueiros entupidos, os ladrões nas esquinas, as crianças vadias pedindo esmolas nos sinais. Recife do qual todos os seus habitantes estão enfastiados.
A beleza da cidade foi se exaurindo com o passar dos anos. As construções impensadas, os mangues abatidos em nome do capital, os esgotos correndo as canaletas... Sem história nem literatura é o povo miserável que habita suas ruas, suas pontes famosas.
E, no entanto, há este renascimento fugaz quando a cidade se enfeita: carnaval, são joão, natal... E por mais que o olho atento denuncie o descaso, a desatenção dos governantes, ainda vejo um resto de brilho na cidade. Porque dói, embora com o tempo vá sarando, ser chamada atrasada, feia, medíocre, “paraíba”... A cultura, os traços característicos de sua gente, foram caricaturados pela mídia, taxados regionais – enquanto a cidade importa costumes, alimentação, vestimenta, música de onde a cultura é “universal”. Então me alegra, com a quentura de uma esperança, quando vejo chegarem as festas, quando vejo as pessoas serem menos importadas enquanto dançam baião e pulam fogueira. Ainda há espaço para a diminuta sensação de pertencimento – isto me renova.
Não a Veneza brasileira... me parece que é preciso retomar o primeiro instante em que alguém se sentiu recifense e amar, mais do que o antigo Recife da minha infância, a cidade viva, a cidade presente.

2 comentários:

  1. acho que esse recife se constrói um pedaço em cada um de nós, e se destrói cada vez mais quando se encontra com esse recife externo. quem sabe se todo mundo expusesse esse pedacinho, esse recife seu, a cidade seria realmente de todos, de cada um de nós.

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  2. Quando comecei a ler o texto, me espantei: esse não é o Recife da minha infância. Nem o do meu presente. Vivo um ufanismo descabido ( e isso não é só em relação ao Recife) que as vezes me cega. Tenho orgulho imenso do meu colégio, dos meus amigos, da minha família, da minha cidade, do meu Estado, e por mais que doa, do meu país. Mas vejo que não é eles que os amo de verdade, é o que eu fiz deles pra mim. Não conheço o colégio inteiro, amo o que conheci. Assim como não conheço todo o país. As crianças, penso eu, não são tão vadias. Os bueiros nem tão sujos. Talvez seja errado, mas eu os pinto todo os dias antes de sair de casa. Pinto com um amor que não cabe, que talvez nem seja deles nem pra eles, mas meu, um amor que ainda me mantém viva e me deixa caminhar na rua sem medo. Acho que é uma das maneiras de se conseguir viver dentro de tanta miséria.

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