quarta-feira, 27 de julho de 2011

Estados Unidos, Julho de 1951.
   Financiados por instituições militares, agências de inteligência de governos ocidentais se unem a acadêmicos da Universidade de McGill para elaborar uma série de experimentos científicos de privação sensorial.  Privação sensorial define exatamente o que o nome diz: cobaias humanas eram vestidas com máscaras que lhes privava do olfato, protetores que lhes tirava a audição, roupas que lhes atenuava o tato e postas em condições que bloqueavam qualquer possibilidade de comunicação. Esse experimento tinha a pretensão de tentar suprimir a capacidade crítica e vulnerabilizá-las a sugestionamentos, desnorteá-las a um ponto em que fosse possível impor verdades ou  quebrar suas resistências por meio de torturas precisamente elaboradas para extração de qualquer informação.
   A Doutrina do Choque, verdadeiramente, não se trata disso, mas o que surpreende é o modo como os resultados desse “estudo” aparecerão na história mundial contemporânea. Eles estão presentes em cadernos de tortura da CIA, que os expandiu às ditaduras militares sulamericanas, como o Brasil; em Guantánamo e, principalmente, na implementação das doutrinas políticas e econômicas neoliberais de Milton Friedman.
   Milton Friedman é o nome mais importante do neoliberalismo. Oriundo da Escola de Economia de Chicago, foi um dos maiores defensores da privatização de estatais, livre iniciativa, desregulação quase que absoluta da economia, que seria substituída por uma autorregulação, muito mais “digna” em seu merecimento. Uma doutrina que desmerece o papel do Estado, do público, e eleva ao patamar supremo os interesses privados.
   A Estratégia do Choque teve como seu primeiro laboratório o Chile. Ameaçado  politicamente pela autonomia e pelos rumos que os países sulamericanos estavam tomando em seus governos de esquerda (Chile com Allende, Argentina com o Peronismo e Brasil com Jango), e economicamente por suas multinacionais estarem com sua soberania ameaçadas, os Estados Unidos passaram a apoiar a mídia e setores militares para a implementação de ditaduras. Até então nada de novidade, o interessante é a forma como foi feita. No Chile, com a tomada absurdamente violenta do poder (eleito democraticamente e com imensa aprovação popular), o governo militar se aproveita da guerra civil instaurada, das perseguições e do estado de terror para implementar as doutrinas da Escola de Chicago. Assim, com uma população completamente desorientada e violentada (não só politicamente, mas também fisicamente – no Chile a repressão seu atingiu o maior nível), o neoliberalismo via-se aplicado e livre para progredir. Derrubaram-se as restrições à remessa de capital e a regulação dos salários para aplicar uma doutrina que valorizava imensamente o capital estrangeiro, denegria a autonomia do Estado e cortava políticas públicas.
   Por um certo tempo, o neoliberalismo permaneceu apenas nas ditaduras militares sulamericana, com resultados que contrariavam completamente a ideia de que o mercado livre seria um incentivo à democracia. O que foi visto foi que a violência da repressão avançava a passos tão largos quanto a miséria e o desemprego.
   A Doutrina do Choque consiste, resumidamente, em abalar radicalmente a estrutura de um país (ou se aproveitar de um desastre natural) – seja ela política ou mesmo física, mas principalmente econômica, enquanto a população está completamente retida em algum problema emergencial ligado à sua própria sobrevivência. Assim funciona o capitalismo do desastre. No Sri Lanka, após a Tsunami de 2004, família que tiveram que deixar suas casas em destroços foram impedidas de retorna, pois os terrenos estava sendo vendidos a hotéis de luxo. Na Guerra do Iraque, quase toda a destruição feita pelas tropas de mercenários de agências militares e pelas armas da poderosíssima indústria bélica resulta no lucro de empresas multinacionais que reconstroem o a cidade. Sejam empresas de administração ou construtoras. Logo após a destruição, elas surgem para reestruturar e reerguer o país. Primeiro vem a guerra, o primeiro choque, depois a implementação das doutrinas econômicas e depois, quando surgem as rebeliões e os protestos, a coação – a tortura, as prisões e todo o conjunto de repressão. A exemplo de Guantánamo e dos mercenários que tem livre iniciativa de ação dentro do Iraque, podendo matar e torturar a seu próprio gosto.
   A privatização das forças armadas era algo que até mesmo Friedman temia. Em um modelo neoliberal como até mesmo o nosso, há o intenso aparelhamento do Estado pelas grandes corporações de construção, de água, de luz ou energia. É incrivelmente absurdo imaginar que poderia haver algo semelhante ligado à exércitos. Se as empresas de serviços básicos já utilizam-se do Estado pra lucrar em cima do que seria algo de interesse público, as forças armadas tendem a seguir a mesma. Fica claro então a lógica americana de guerra permanente. Dentro de um país cooptado por instituições militares e bélicas privadas, é necessário sempre estar em guerra, pra que essas empresas lucrem, independente disso implicar na morte de civis, inocentes e até mesmo numa falaciosa criação de inimigos públicos americanos.
Guantanamo
   O documentário inclui um milhão de coisas a mais. Assisti recentemente e fiquei impressionado com a clareza não do filme, mas dos fenômenos que ele expõe. É uma lógica absurda, selvagem, mas extremamente clara. A relações funcionam como um relógio suíço, sempre com a finalidade de arrecadação exclusiva de lucros. É incrível pensar como a maior potência do mundo tem um governo e um sistema econômico tão cínico e praticamente fascista. Me faz repensar as coisas, mas não necessariamente com negatividade, com um pouco de esperança até. Vivemos num tempo de mediocridade política intensa e penso que a tendência, após algumas crises devastadoras que ainda estão pra ocorrer, é que maior parte das pessoas e instituições aprenda que o linha que está sendo seguida desemboca num poço escuro do qual quase ninguém se salva. Do mesmo modo que o Absolutismo virou passado, em algumas décadas talvez nossos bisnetos comentem o quanto era absurdo ter um governo que só servia aos ricos.


Enfim, a realidade dessa vez me trouxe um pouco de esperança. Assistam e tirem suas próprias conclusões, tem só uma hora e pouco, vale muito à pena. Essas coisas devia ser obrigatórias na escola.





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